quarta-feira, 19 de março de 2008

Adoro Cartola!

(Poema muito carinhoso - embora não pareça - a respeito do samba, que espero que se explique por si só. Abraço a todos)

Adoro Cartola!
Quando piso em folhas secas...
Quando piso em folhas secas...
Quando piso em folhas secas,
Nada me vêm à cabeça.
Nunca fui à Mangueira, nem sou do Estácio.
Adeus Noel, adeus poema:
Vila mesmo, só a Madalena.
Nunca fui ao morro, nem pra fazer samba
Nem pra cheirar as flores dos
Seus vastos e regados jardins.
Pro Bixiga ninguém vai:
Nem ao amanhecer, nem antes do pôr-do-sol.
"Olha lá, a velhinha que canta samba!",
Dizem.
Qual a diferença entre velhos
E jovens: será o timbre da voz?
Serão aqueles tão "coitadinhos" que
Mereçam serem tratados como tal?
Ícones por conta da rigidez do tempo?
Queria mesmo é ouvir aquele samba
Composto na semana passada:
Cadê?
"Ah, gente: eu adoro Cartola...
E samba, ah... eu A-DO-RO samba!"
Então é assim: nada de Fred 04,
Kid Morengueira ninguém canta,
Caetano é um reacionário,
Chico "entende" a alma feminina
Como nenhum outro e...
Nelson Cavaquinho parece um vovozinho fofo.
Chega disso:
Use seu liquificador, plugue seu overdrive!
Pense dance pense,
Pense e dance!
Meu tempo é quando,
Mas meu mundo
É hoje!

segunda-feira, 3 de março de 2008

Seco.

(Texto feito no calor da hora, meses atrás... Não estou bem certo se o formato, a textura e o conteúdo dele me soam bem hoje; na verdade, foi o único texto que não revisei até hoje. Um tapa na minha própria cara, pois naquele dia...)




... saí de casa, e o giro da chave me pareceu como um barulho de areia sendo jogada em cima do meu próprio caixão, na minha própria vala, mesmo sem nunca ter ouvido tal barulho. Uma ave, que não sei o nome, voa fazendo alvoroço às três da manhã, em frente da minha casa, na rua. Nunca me interessei muito por aves, nem por animal nenhum. É poético, etc. e tal, muitos estão em extinção, mas simplesmente não consigo ou nunca quis dar atenção para isso. São-me indiferentes, e só. Por indiferença estou indo embora, talvez para sempre. Não, é para sempre mesmo. Venta na rua, e minha camisa xadrez é pequena e velha demais para o vento que esmaga meu corpo, como se isso fosse justo. Não sou culpado, isso não existe. Tento abolir isso do meu vocabulário a cada dia, numa verdadeira cruzada lingüística. Medo sim, isso sempre tive. Fui criado numa família de classe média, a tal da culpa não é minha. Às vezes me borro todo. Aliás, dia desses estava caminhando de madrugada no meu bairro, e uma turma passou por mim, gritando e bebendo qualquer coisa barata num copo de plástico vagabundo, uivando um hino de imbecilidade e possível violência. Esse tipo de gente é que sai aos domingos em turba, com mais uns vinte ou trinta idiotas uniformizados, espancando qualquer um que esteja vestido com uma camiseta do time rival. Penso que se eu tivesse sido criado na pobreza, ou na mais extrema riqueza, estaria mais propenso a agir violentamente. Por que não tenho coragem de, por exemplo, sacar uma arma e mandar todos se ajoelhar e darem beijos um na boca do outro? Seria anárquico, divertido, justo e arrebatador. Fazer sentirem-se uns bostas, isso sim seria bacana, bem bacana. Caminho. Minhas pernas vão lentamente seguindo o ritmo descompassado do meu braço, que nas últimas quatro horas levou mais de três maços de cigarro à boca. O casamento não deveria existir, deveria ser abolido e publicado no Diário Oficial o seu fim. Justo. Isso não é radicalismo, é pragmatismo. Todo mundo é pragmático, por que eu também não posso ser? Também quero. Sigo pela rua escura, propícia aos sentimentos existentes, tudo no seu devido lugar. Meu signo é touro, e eu também deveria ser um, não fosse o ascendente em gêmeos para jogar a minha cabeça pra lua. Ela sempre me lembrava disso. Acho que ela realmente dava importância pra isso. As mulheres são todas muito pragmáticas, todas. Na teoria, estou condenado ao fracasso, devo me preparar para isso. Com a cabeça na lua o sujeito se perde. Tenho que manter a guarda, manter a cabeça acima da água. O mundo pode me atropelar a qualquer momento, querer botar no meu rabo a qualquer hora. Não tenho as costas quentes, tenho que me acostumar a esperar pelo pior, sempre. Já vi nego se chafurdando na merda por causa de mulher. Não, foi por causa do amor. Do sentimento do amor, quero dizer. Da dor. Muita dor, e o sujeito acaba escorregando e caindo ladeira abaixo. Aí não tem mais volta. Aliás, nenhum caminho tem. Faz uns meses que não paro pra ver um filme, ando comendo pouco e bebendo muito vinho, todas as noites praticamente. E escrevendo, escrevendo. E olhando a janela. E fumando que nem um dragão. E lendo Rubem Fonseca. O trabalho eu faço, preciso do dinheiro, gosto de ter dinheiro. Não sou burguês, mas me acostumei a ser. Ontem passei por um violinista na Paulista, estava frio e ele lá, tocando na rua. Era um tema do Mozart, eu acho. Não tenho muita certeza. Lindo. Sua garota estava do lado, olhando pra ele, olhando pra mim, olhando pra rua. Lindos olhos, os dela. Dei dez reais para eles. Quando pus o dinheiro na caixa aberta do instrumento, ela olhou fundo nos meus olhos, como se tivesse entendido algo. Não sei o que, mas gostaria de saber. Raramente ouço música, e ultimamente só ouço as notícias do rádio. Ando um pouco obsessivo, mas não sei bem pelo quê. E ficando obsessivo, a minha libido cai. Anda bastante baixa. Sexo mesmo, muito pouco ultimamente. Minha última trepada deve ter sido uns dois meses atrás. Não sinto nada, de vez em quando acordo no meio da noite com o pau duro, começo a alisar, e dois minutos depois gozo um jorro branco e colante. Nos últimos dois meses estou indo quase todas as noites pra uma praça muito bonita e deserta. Vejo o céu escuro, as estrelas quando dá e um pouco de ar puro. Todos dizem que o ar de São Paulo é poluído, mas não sabem respirar direito. Faltam-lhes narizes. É isso, e é irreversível. Quando volto, caminho olhando pro chão, procurando alguma lata de cerveja pra chutar. Virou um vício, um hábito. Ela me disse que quando me prendo aos hábitos, é porque quero enlouquecer. Diz que na verdade já enlouqueci. Não sabe de porra nenhuma, ela. É o contrário. Foda-se, não me importo mais. Fico louco é com os jovens, parece que desaprenderam a falar, só murmuram. Este mundo está indo pras picas, ninguém se dá conta. As latas, ela, os jovens. Uma mistura bombástica para o meu fígado. Chuto a lata mesmo, e um dia vou ter coragem de chutar pombos, daí é que vai ser divertido. “Vastas emoções e pensamentos imperfeitos”. Esta frase não me sai da cabeça, o Fonseca é um filho da puta, me come a alma. Acho que já escrevi isto umas dez vezes, fico me repetindo. Tudo se repete, no fim. Não quero fazer a diferença, quero entrar no coral das massas. Isso, fazer parte de um coro uníssono. É disso que eu preciso, vai ver. Tudo igual, afinal de contas. Venta muito, sinto nos olhos, vai chover e estou sem guarda-chuvas, não quero andar de carro e vou indo, indo, e escutando um zumbido dentro da minha cabeça: “Vastas emoções e pensamentos imperfeitos. Vastas emoções e pensamentos imperfeitos”. Seco.