quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Plagiando Chinanski.

Plagiando Chinanski.

Quando sua mulher te diz pra mudar de trabalho
Quando seus textos não são lidos ou são rejeitados
Ou quando o quilo do presunto na padaria está muito caro
E não possuis mais nenhum cascalho e grita
“Ah, mas que caralho!”,
Pare e beba um gole de cerveja.
Quando seus amigos estão se casando e
Contentes estão procriando
Quando sua mãe diz que de uns trocados está precisando
Ou quando lê um poema seu e acha que as palavras
Não estão rimando,
Pare e beba um gole de cerveja.
Quando tudo se parece mais ou menos igual
Ou quando na rua pinta uma idéia bem banal
Ou até quando um cachorro te assusta gritando um certo
“Au-au!”,
Pare e beba um gole de cerveja.
Batendo em portas fechadas
Andando por estradas todas elas tortas
E cantando ou declamando para um bando de moscas mortas,
Pare e beba uma cerveja.
Não tem metrô para onde vais
Insiste em idéias que lhe serão caras demais
E se da guerra se cansou e anseias por um pouco de paz
(esta ficou forçada demais),
Pare e beba um gole de cerveja.
Em resumo: sua conta bancária zerou
Na cama, você brochou
E de repente a sua inspiração para o poema acabou...
Amigo, só uma coisa te sobrou:
Tenho que repetir
Ou já adivinhou?

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Nós, o pistoleiro, não devemos ter piedade.

(Conto do Sclyar, mestre do gênero, pra vocês que gostam do Sérgio Leone...)

Nós, o pistoleiro, não devemos ter piedade
(Moacyr Scliar)
Nós somos um terrível pistoleiro. Estamos num bar de uma pequena cidade do Texas. O ano é 1880. Tomamos uísque a pequenos goles. Nós temos um olhar soturno. Em nosso passado há muitas mortes. Temos remorsos. Por isto bebemos.
A porta se abre. Entra um mexicano chamado Alonso. Dirige-se a nós com despeito. Chama-nos de gringo, ri alto, faz tilintar a espora. Nós fingimos ignorá-lo. Continuamos bebendo nosso uísque a pequenos goles. O mexicano aproxima-se de nós. Insulta-nos. Esbofeteia-nos. Nosso coração se confrange. Não queríamos matar mais ninguém. Mas teremos de abrir uma exceção para Alonso, cão mexicano.
Combinamos o duelo para o dia seguinte, ao nascer do sol. Alonso dá-nos mais uma pequena bofetada e vai-se. Ficamos pensativo, bebendo o uísque a pequenos goles. Finalmente atiramos uma moeda de ouro sobre o balcão e saímos. Caminhamos lentamente em direção ao nosso hotel. A população nos olha. Sabe que somos um terrível pistoleiro. Pobre mexicano, pobre Alonso.
Entramos no hotel, subimos ao quarto, deitamo-nos vestido, de botas. Ficamos olhando o teto, fumando. Suspiramos. Temos remorsos.
Já é manhã. Levantamo-nos. Colocamos o cinturão. Fazemos a inspeção de rotina em nossos revólveres. Descemos.
A rua está deserta, mas por trás das cortinas corridas adivinhamos os olhos da população fitos em nós. O vento sopra, levantando pequenos redemoinhos de poeira. Ah, este vento! Este vento! Quantas vezes nos viu caminhar lentamente, de costas para o sol nascente?
No fim da Rua Alonso nos espera. Quer mesmo morrer, este mexicano.
Colocamo-nos frente a ele. Vê um pistoleiro de olhar soturno, o mexicano. Seu riso se apaga. Vê muitas mortes em nossos olhos. É o que ele vê.
Nós vemos um mexicano. Pobre diabo. Comia o pão de milho, já não comerá. A viúva e os cinco filhos o enterrarão ao pé da colina. Fecharão a palhoça e seguirão para Vera Cruz. A filha mais velha se tornará prostituta. O filho menor ladrão.
Temos os olhos turvos. Pobre Alonso. Não se devia nos ter dado suas bofetadas. Agora está aterrorizado. Seus dentes estragados chocalharam. Que coisa triste.
Uma lágrima cai sobre o chão poeirento. É nossa. Levamos a mão ao coldre. Mas não sacamos. É o mexicano que saca. Vemos a arma na sua mão, ouvimos o disparo, a bala voa para o nosso peito, aninha-se em nosso coração. Sentimos muita dor e tombamos.
Morremos, diante do riso de Alonso, o mexicano.
Nós, o pistoleiro, não devíamos ter piedade.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Sobre Meninos e Pipas.

Sobre meninos e pipas.

Estava eu de bobeira, dando sopa para os pobres e assoviando enquanto chupava cana, isso tudo na casa do meu irmão, enquanto a comida requentava num fogão de lenha... Na verdade era um microondas, e era começo de século, mas não custa nada sonhar, não é mesmo? E papo vai, papo vêm, minha mãe veio nos visitar aqui na capital, cozinhou bolo de fubá, passou café, conversas de família rolaram, e minha recusa em relatar os pormenores se deve a certo respeito protestante que possuo para com os leitores. Eis que fico a divagar sobre meu tempo de infância, eu e meus dois irmãos correndo pela rua, jogando bola enquanto corríamos da fuligem de cana de açúcar sendo queimada no céu de uma cidade qualquer do interior paulista. Bola de gude, paquera na praça, é fato: vivi tudo isso. E mais um pouco, é verdade.
Daí que a televisão estava ligada, e bem ao longe consegui escutar um comentarista qualquer dando a notícia de que um garoto, aqui da capital, que morreu na tarde de hoje atropelado por um caminhão em alguma via expressa de São Paulo, acho que foi na Imigrantes, não me lembro agora. Daí que o garoto estava correndo atrás de uma pipa no céu. Confesso que fiquei profundamente comovido. Não por conta da pipa: nunca gostei de empinar pipa, sempre me pareceu uma diversão meio besta na verdade, ficar olhando um pedaço de papel com varetas sendo puxado por uma linha ir prá lá e prá cá na imensidão do azul. Ficava com os olhos doendo, porque o céu da minha terra sim era mais azul, mas de um azul forte, que cega de tanto ficar com as retinas viradas pro alto. Além do que, vira e mexe algum amigo tinha a mão cortada por conta da tal folha que voa, por causa do cerol. Ah, também tinha o torcicolo, claro.
Mas é triste ver um garoto morrer por conta da brincadeira em si. Claro que a culpa não foi dele, e provavelmente não foi do motorista da jamanta que poderia muito bem estar carregando folhas de papel de seda, ou carretéis de linha de alguma indústria, etc. “A culpa é do Fidel” também não vale, é só um filme. Vez ou outra, quando caminho olhando o nada e o tudo, de bobeira mesmo pelas ruas, percebo que a tez da molecada daqui é um pouco mais branca, e diria até mais pálida do que a da garotada em outros lugares onde morei. Deve ser essa coisa de desde pequeno serem criados em apartamento. Enfim... Deixo este estudo de bandeja pros pedagogos.
Pra terminar: O Ruy Castro, escritor que muito admiro, vez ou outra anda escrevendo na sua coluna sobre a mortes de jovens com relação à violência urbana, etc. e tal. Acho que foi por causa dele que escrevi esta crônica. Ou foi porque nunca gostei de pipa?