Sobre meninos e pipas.
Estava eu de bobeira, dando sopa para os pobres e assoviando enquanto chupava cana, isso tudo na casa do meu irmão, enquanto a comida requentava num fogão de lenha... Na verdade era um microondas, e era começo de século, mas não custa nada sonhar, não é mesmo? E papo vai, papo vêm, minha mãe veio nos visitar aqui na capital, cozinhou bolo de fubá, passou café, conversas de família rolaram, e minha recusa em relatar os pormenores se deve a certo respeito protestante que possuo para com os leitores. Eis que fico a divagar sobre meu tempo de infância, eu e meus dois irmãos correndo pela rua, jogando bola enquanto corríamos da fuligem de cana de açúcar sendo queimada no céu de uma cidade qualquer do interior paulista. Bola de gude, paquera na praça, é fato: vivi tudo isso. E mais um pouco, é verdade.
Daí que a televisão estava ligada, e bem ao longe consegui escutar um comentarista qualquer dando a notícia de que um garoto, aqui da capital, que morreu na tarde de hoje atropelado por um caminhão em alguma via expressa de São Paulo, acho que foi na Imigrantes, não me lembro agora. Daí que o garoto estava correndo atrás de uma pipa no céu. Confesso que fiquei profundamente comovido. Não por conta da pipa: nunca gostei de empinar pipa, sempre me pareceu uma diversão meio besta na verdade, ficar olhando um pedaço de papel com varetas sendo puxado por uma linha ir prá lá e prá cá na imensidão do azul. Ficava com os olhos doendo, porque o céu da minha terra sim era mais azul, mas de um azul forte, que cega de tanto ficar com as retinas viradas pro alto. Além do que, vira e mexe algum amigo tinha a mão cortada por conta da tal folha que voa, por causa do cerol. Ah, também tinha o torcicolo, claro.
Mas é triste ver um garoto morrer por conta da brincadeira em si. Claro que a culpa não foi dele, e provavelmente não foi do motorista da jamanta que poderia muito bem estar carregando folhas de papel de seda, ou carretéis de linha de alguma indústria, etc. “A culpa é do Fidel” também não vale, é só um filme. Vez ou outra, quando caminho olhando o nada e o tudo, de bobeira mesmo pelas ruas, percebo que a tez da molecada daqui é um pouco mais branca, e diria até mais pálida do que a da garotada em outros lugares onde morei. Deve ser essa coisa de desde pequeno serem criados em apartamento. Enfim... Deixo este estudo de bandeja pros pedagogos.
Pra terminar: O Ruy Castro, escritor que muito admiro, vez ou outra anda escrevendo na sua coluna sobre a mortes de jovens com relação à violência urbana, etc. e tal. Acho que foi por causa dele que escrevi esta crônica. Ou foi porque nunca gostei de pipa?
terça-feira, 5 de agosto de 2008
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