domingo, 20 de julho de 2008

O Pugilista.

(Mais uma das minhas bestiais crônicas... aliás, há uma revista bacana rolando na internet, é a www.revistabenedito.wordpress.com (coincidência, não?), e sou um dos condenados a preencher páginas vazias por esta coisa que um amigo meu insiste em chamar de fluxo gratuito de informação... abraços atodos...)

O pugilista.




Sentado como sempre, com as hemorróidas loucas para aflorar a qualquer momento (pois qualquer hora isso vai acontecer, é quase inevitável), pinta um amigão meu, o Noca. Conversamos uma hora mais ou menos, pois ele agora tem tempo sobrando na vida.Vou relatar um pouco a sua história, só pra ficar registrada nos anais dos homens bons da Terra.
Recifense de nascença e vivendo em São Paulo com a família já faz dez anos. Esses recifenses são quase sempre muito inteligentes, sagazes por demasia, não é mesmo? Pois bem. Noca sempre trabalhou na indústria fonográfica, assistente de gravação, de produção, sempre sendo assistente de algo. Eis que um dia “desiste de assistir”, segundo ele. Manda o emprego pra puta que pariu, e da noite para o dia começa a fazer tudo o que gosta, mas não tinha tempo de fazer nos áureos tempos de proletário.
Conseguiu guardar uma grana, que não dará para mais que dois meses, pois teve que fazer limpeza de canal, sei lá que diabos mais. Mas o negócio é que ele passou a ter a seguinte rotina diária, que me relatou como se eu fosse seu diário íntimo:
Acorda cedo, umas oito da manhã. Faz alongamento, um pouco de ginástica, barra, o serviço completo. Toma seu complexo vitamínico (sem anfetaminas, uma relíquia nos dias atuais). Vai correr no horto florestal, que fica ao lado da sua casa. Fica flanando um pouco por lá, observando as mamães com seus filhos brincando no parque de diversões, enquanto papai está trabalhando. Volta para casa lá pelas dez, toma uma ducha fria (que é para os músculos ficarem mais rijos, como ele me explicou), come na mesa seu café da manhã com sua mãe, e lê até o meio dia. Literatura, de preferência.
Já são quase uma da tarde, e nosso herói se senta para ler o jornal, ver como está o mundo. “Uma desgraça”, é a conclusão que chega todos os dias. Lê a coluna do Zé Simão, ri um pouco e se joga no sofá para uma sessão de Western. James Dean, Marlon Brando, Sérgio Leone. O que vier, ele traça. Ah, e musicais dos anos cinqüenta e sessenta é sempre bem-vindo também. Gene Kelly, essas coisas fantásticas que o cinema não faz mais, uma pena. Vez ou outra aparece alguma mulher gostosa para provar roupa na sua casa, pois sua mãe trabalha com figurinos de peças teatrais. Ah, quase deixo passar batido isso: ele sempre deita ou se senta no sofá com um shorts do Corinthians, aqueles da década de oitenta, bem curtinho, e sem cueca. E regata, branca de preferência. Peito estufado quando alguma garota chega, pêlos do peito expostos, acende um cigarro e dá uma olhadela de canto quando cumprimenta as moças na chegada, dizendo “oi, moça”.
Ele tem quase um e noventa, cara de árabe puro sangue, cabelos cumpridos, uma figura pelo menos exótica. Bela, eu diria. Fez um furo na parede do corredor que dá para o estúdio da sua mãe, de modo que quando alguma donzela vai provar alguma peça de roupa, ele aumenta o volume da televisão, corre para o seu buraco da sorte, enfia a cara lá e realiza-se. “Um deleite”, como ele diz. Escreve um pouco à tarde, e lá pelas quatro vai treinar boxe. Começou agora também. Dei de presente para ele dia desses o Touro Indomável, do Scorsese. Quase chorou de emoção. Está gostando muito, e usa uma gaze no pulso esquerdo, denotando que seu ofício é duro, árduo mesmo. Outro dia veio em casa, tirou a gaze e foi fazer barras lá na sala dos fundos. “Doze barras”, me disse ele, todo orgulhoso. Com o punho firme e forte como um touro, o próprio De Niro. Em carne e osso.
Vai à noite pra faculdade, e ultimamente eu e ele ficamos escrevendo crônicas mil sobra qualquer coisa que possa radicalizar alguma inspiração que tenha batido do nada, na hora. “É o que sempre digo, bichão: inspiração + exercício; esse é o segredo”. E sai coisas engraçadíssimas, juro. Pelo menos nós dois aprovamos. Não se trata de troca de figurinhas, de bater bafo nas aulas não. “São pérolas”, me diz ele. Rimos, e depois das aulas vamos beber um pouco na esquina da faculdade, porque não somos bestas, nem de ferro. Mas vamos num bar onde quem tem menos de vinte anos não cola. Melhor assim.
E a vida segue o rumo, os barcos foram feitos para navegar, as pias para nos lavarmos, Hollywood para fazer cinema-pipoca, os políticos brasileiros para nos foder, e por aí afora. Penso comigo, enquanto repito a sentença do poeta:

“Êta vida besta, sô!”





























Franco Chiariello, direto dos ringues paulistanos.

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